As situações familiares reconhecidas e consolidadas ao logo do tempo devem ser protegidas por meio das decisões judiciais. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conheceu do recurso especial de dez irmãos que pretendiam anular o registro civil de nascimento de outros três irmãos para que eles não tivessem direito à herança deixada pela mãe.
Em 1956, E.B.J. e E.A. (ela com 20 anos de idade), se casaram. Um ano depois, E.B. compareceu ao cartório de Registro Civil para registrar três filhos, informando que todos se tratavam do casamento entre ele e a jovem esposa. Entretanto os três garotos eram filhos apenas de E.B, fato conhecido por toda a cidade na qual moravam à época. Ao longo do casamento, E.B e E.A.tiveram outros dez filhos. Em 1992, a mãe faleceu e o viúvo promoveu a abertura do inventário dos bens que ela havia deixado. O documento declarava como herdeiros do patrimônio todos os 13 filhos do casal.
Inconformados, os dez filhos ajuizaram uma ação de anulação ou reforma de registro civil de nascimento contra os três irmãos, alegando que eles só teriam direito à herança do pai e não sobre os bens deixados pela mãe, mesmo estando relacionados como herdeiros da falecida. A ação pedia que fosse excluído o nome da mãe e dos avós maternos dos documentos de três homens adultos e já também casados.
O juiz de primeiro grau proferiu sentença julgando procedente a ação para determinar a retificação dos registros dos três irmãos, excluindo o nome de E.A. e dos avós maternos. A decisão foi fundamentada no argumento de que os autores da causa tinham comprovado, “de modo irrefutável”, que os três herdeiros são filhos do mesmo pai, mas com outras mulheres, frutos de relacionamentos mantidos por E.B. antes do casamento.
Os três irmãos apelaram do entendimento ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ/GO) que, por unanimidade, deu provimento ao apelo para julgar improcedente a ação de anulação dos registros de nascimento. Os julgadores de segundo grau ressaltaram: “Se a mulher, há mais de trinta anos, registrou como seus filhos naturais de seu esposo e a eles dedicou amor maternal, é de se reconhecer a ocorrência de adoção simulada, reveladora de grandeza de gesto a atitude nobre. Filhos registrados que contam hoje com mais de 40 anos, já tendo adquirido a filiação materna como um patrimônio de vida . Registro civil que se mantém”.
Os autores da causa (os dez irmãos) recorreram ao STJ insistindo na tese de que os registros de nascimento originais seriam nulos em virtude de falsidade ideológica. Sustentaram também que E.A. não tinha idade para adotar, pois, segundo a lei, o adotante deve ser 16 anos mais velho que o adotado. Na época do registro, um dos garotos era apenas onze anos mais novo que a suposta mãe, com, então, 21 anos.
Todavia, o ministro Barros Monteiro, relator do processo, não acolheu a tese dos autores. “Não há dúvida de que E.B. declarou como filhos do casal três menores que, na realidade, não o eram. Contudo, o acórdão do TJ/GO levou em conta, para a solução do litígio, a situação de fato ocorrente na família. E essa situação de fato deixa claro o status de filhos dos três citados co-réus, admitido não só pelo pai declarante, mas também pela falecida, verdadeira genitora dos mesmos. Há mais de 40 anos tal situação se consolidou no seio da família e da sociedade. Essa Corte já teve ocasião de enfatizar, em outros julgamentos, a necessidade de proteger situações familiares reconhecidas e consolidadas”, esclareceu o ministro. Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Ruy Rosado de Aguiar também se manifestou: “Os laços instituídos pela maternidade social não devem ser desfeitos”.
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